Levantamento da Amcham Brasil mostra que a maioria dos setores conseguiu redirecionar vendas para outros mercados
06 de outubro de 2025, 05:48 h

Donald Trump e Lula (Foto: Reuters | Ricardo Stuckert/PR)
247 – Dois meses após a entrada em vigor do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o impacto sobre a economia brasileira tem sido praticamente irrelevante, segundo reportagem publicada por O Globo nesta segunda-feira (6). Um levantamento da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), revela que menos da metade das exportações brasileiras aos EUA — 44,6% — está sujeita à alíquota máxima de 50%. Outros 29,5% dos produtos enfrentam sobretaxas menores, enquanto 25,9% estão completamente isentos.
De acordo com Fabrizio Panzini, diretor de Políticas Públicas e Relações Governamentais da Amcham Brasil, o impacto reduzido se explica pela capacidade das empresas brasileiras de redirecionar commodities a outros mercados. “Os produtos-alvo de alíquota máxima são commodities, como café, carne e açúcar, que têm mais facilidade para redirecionar as vendas a outros países”, afirmou.
Setores mais afetados
No caso do café, por exemplo, as exportações brasileiras para os Estados Unidos — o maior mercado consumidor da bebida — caíram 56% em setembro em relação a 2024 e devem zerar nos próximos dias, segundo Marcos Matos, diretor executivo do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Ele explicou que o tarifaço provocou forte aumento nos preços ao consumidor americano, elevando a libra-peso de 284 para 380 centavos de dólar. “Isso causou uma grande realocação do mercado”, disse. “A Colômbia vai focar nos EUA, enquanto o Brasil deve ampliar vendas para a Europa e outros destinos.”
Outros setores, no entanto, enfrentam efeitos mais duros. Na indústria da madeira, mais de 4 mil trabalhadores foram demitidos, e empresas acumulam estoques e custos de armazenagem elevados. Panzini observa que “fora das commodities, o restante acaba ficando muito mais fragilizado, como o mel do Nordeste, a madeira e os móveis do Sul e as máquinas e equipamentos do Sudeste”.
O “xadrez tarifário” de Trump
Desde abril, Trump vem aplicando tarifas recíprocas e adicionais que podem somar até 50%. Itens como aço, alumínio, cobre, automóveis e autopeças foram enquadrados em tarifas setoriais específicas — algumas baseadas na Seção 232 da Lei de Expansão do Comércio dos EUA, que permite sobretaxas sobre bens considerados estratégicos para a segurança nacional.
Apesar da avalanche de tarifas, as exportações brasileiras aos EUA cresceram 1,6% de janeiro a agosto, comparado ao mesmo período do ano anterior. A alta foi impulsionada pelo primeiro semestre, já que em agosto as vendas despencaram 18,5%.
Reação do setor produtivo e busca de alternativas
Para Cristina Zanella, diretora da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), o setor tem conseguido reorganizar seus fluxos comerciais. “Empresas que direcionavam a maior parte das suas exportações para os EUA vão distribuir esses produtos para outros países. Existe essa reestruturação no mercado internacional”, afirmou.
Enquanto isso, representantes brasileiros buscam reverter ou atenuar os efeitos das tarifas, e empresas americanas que dependem de insumos brasileiros pressionam o governo Trump por mudanças. O empresário Joesley Batista, acionista da J&F, chegou a se reunir com Trump em setembro para discutir a taxação de 50% sobre a carne.
Segundo o tributarista Leonardo Briganti, sócio do escritório Briganti Advogados, os efeitos imediatos foram mais duros para os próprios Estados Unidos. “O efeito foi mais danoso para os EUA. A ideia de reindustrializar o país não aconteceu. Houve alta de custos e o pequeno e médio importador americano estão sofrendo”, afirmou.
O governo Trump, segundo ele, já discute um pacote de US$ 10 bilhões para socorrer o agronegócio americano, especialmente os produtores de soja, que enfrentam aumento de custos com a guerra tarifária.
Impactos regionais e no emprego
Na Randa, indústria de madeira no Paraná, o faturamento caiu 30% após as sobretaxas. “Os estoques estão lotados, estamos pagando armazéns nos portos e o empréstimo via BNDES não sai. A pergunta é até quando vamos conseguir segurar”, relatou o CEO Guilherme Ranssolin, que já dispensou 200 funcionários e colocou outros 600 em férias coletivas.
A Engemasa, empresa paulista de fundição de aços inoxidáveis, também sofre com estoques parados e reduziu em 10% o quadro de funcionários. “Tentamos produzir para escoar antes das taxas, mas vários projetos ficaram para trás”, explicou Paula Sverzut Stecca, diretora da empresa.
Em contrapartida, a Fider Pescados, também de São Paulo, conseguiu expandir as vendas no mercado interno e no Canadá, compensando a queda de exportações de tilápia aos EUA. “Começamos a buscar clientes no país que não estavam na nossa carteira, e a demanda doméstica cresceu”, disse o diretor Juliano Kubitza.
Mesmo com o cenário de incertezas, a análise da Amcham Brasil indica que o Brasil mostrou resiliência diante do tarifaço de Donald Trump. A diversificação de mercados e produtos tem sido decisiva para evitar maiores prejuízos e, ao que tudo indica, o impacto das tarifas americanas na economia brasileira foi muito menor do que se temia — praticamente irrelevante.
Fonte: brasil247.com