Emendas parlamentares crescem R$ 170 bilhões em uma década e alimentam disputa entre Congresso, governo e STF

Expansão do poder do Legislativo sobre o Orçamento gera embates institucionais e reacende debate sobre limites das emendas impositivas

(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

247 - Nos últimos dez anos, as emendas parlamentares saltaram de R$ 3,4 bilhões para R$ 44,9 bilhões, acumulando um crescimento de R$ 173 bilhões acima da inflação, segundo levantamento publicado pela Folha de S.Paulo. A valorização e o aumento do caráter impositivo dessas verbas transformaram o tema em um dos principais pontos de tensão entre os Poderes da República.

Esse cabo de guerra ganhou novos contornos com recentes movimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e declarações do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Em entrevista e também em reunião fechada, Motta declarou: “O Congresso não é intocável” e afirmou estar disposto a discutir cortes “na carne”. Apesar disso, lideranças partidárias afirmam que não há, neste momento, nenhum debate concreto em curso sobre mudanças no atual modelo de emendas.

As emendas impositivas — que obrigam o governo a destinar recursos indicados por parlamentares — têm se tornado uma ferramenta poderosa nas mãos do Congresso. Em 2026, ano eleitoral, o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê R$ 54,2 bilhões para essas verbas, das quais 77% com execução obrigatória.O crescimento desse poder teve início em 2015, com o enfraquecimento político da então presidente Dilma Rousseff (PT), que perdeu capacidade de barrar as indicações do Congresso. Sob o comando de Eduardo Cunha (MDB-RJ), a Câmara fortaleceu o caráter impositivo das emendas, movimento aprofundado durante o governo Jair Bolsonaro (PL), em aliança com o centrão.

A disputa atual, no entanto, ganhou novo impulso com a atuação do ministro Flávio Dino, do STF. Indicado por Lula e ex-ministro da Justiça, Dino tem liderado um processo de contestação do modelo vigente. Em decisão monocrática, determinou que as emendas só podem ser executadas com total transparência e abertura de contas específicas, identificando os autores dos pedidos. Ele também impôs limites ao uso das chamadas emendas de comissão, que substituíram as "emendas de relator" suspensas em 2022 por decisão da ministra Rosa Weber.

Na prática, o Congresso driblou a proibição das emendas de relator ao concentrar os recursos nas comissões temáticas, mantendo o controle nas mãos da cúpula do Legislativo. A atuação de Dino, que promoveu inclusive uma audiência pública com maioria de críticos ao atual modelo, tem sido interpretada por parlamentares como um movimento alinhado ao governo Lula — o que eleva ainda mais a temperatura da crise institucional.Embora Motta tenha sinalizado disposição para discutir ajustes, há ceticismo dentro do próprio Congresso. Parte dos deputados acredita que suas declarações têm como único objetivo suavizar a imagem da Casa diante da campanha nas redes sociais que acusa o Parlamento de beneficiar os ricos com recursos públicos. Outros enxergam nelas apenas um discurso vazio, sem chance real de mudanças.

A possibilidade de um acordo entre os três Poderes envolvendo cortes simultâneos — como o congelamento do salário mínimo, fim de penduricalhos no Judiciário e redução de emendas no Legislativo — é considerada remotíssima pelos próprios congressistas.Enquanto isso, as investigações de corrupção relacionadas ao uso de emendas seguem avançando sob comando do STF, reforçando as críticas ao modelo atual. Para o governo, que tenta recuperar protagonismo sobre os investimentos federais, o impasse em torno das emendas parlamentares se tornou um dos principais obstáculos à gestão orçamentária.

O cenário indica que, embora o discurso de revisão tenha ganhado fôlego, os interesses políticos envolvidos tornam improvável qualquer mudança substancial no curto prazo. O impasse segue, tensionando a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário em meio a uma crescente judicialização do orçamento público.

Por brasil247.com
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