Toinha, a mãe que criou e formou três filhos vendendo baixaria no Acre



A mulher que inventou a baixaria (cuscuz com carne moída, ovos e vinagrete) há quase 40 anos em Rio Branco (AC), não fazia ideia de que viria desse prato o sustento para criação e formação profissional de seus três filhos: Sara, Suelen e Aluizio Júnior Rodrigues.

Hoje com dois filhos médicos e uma formada em letras e fisioterapia, Antônia Maria Rodrigues, proprietária do Café da Toinha, olha para trás com carinho e gratidão. A baixaria virou ícone da culinária acreana e Toinha um símbolo da mãe batalhadora que não mede esforços para fazer o que pode pelo progresso da família.


Café da Toinha teve a primeira unidade aberta dentro do Mercado do Bosque (FOTO: Sérgio Vale)

De origem muito pobre, nascida e criada num seringal de Sena Madureira, Toinha mudou-se para a capital acreana aos 19 anos, em 1986. Desde então, teve de aprender sozinha a gerir seu próprio negócio no Mercado do Bosque e vencer as dificuldades diárias da vida de mãe e empreendedora.

Sob críticas de muita gente à época, a cozinheira resolveu inserir os filhos no trabalho diário do Café da Toinha. “Quando comecei, vim só para passar um mês porque minha sogra estava com a filha doente e teve que viajar. Ela tinha uma banquinha dentro do Mercado do Bosque e não tinha com quem deixar. Eu aceitei e vim para ajudar”.


Toinha e a irmã, Isoneres, trabalhando no Mercado do Bosque (FOTO: Arquivo Pessoal/Cedida)

Filha de seringueiros, criada às margens do Rio Iaco, Toinha encarou o desafio de sair do interior e lidar com o comércio, algo que nunca teve contato antes. “Na banquinha da minha sogra, vendia o mesmo que eu vendo hoje. Mingau de banana, tapioca, cuscuz, cuscuz com leite, cuscuz com ovo, pão”

Com apenas um mês no Mercado do Bosque, os clientes já passaram a chamá-la de Toinha. “Eu não era conhecida assim, mas as pessoas começaram. Era Toinha para cá, Toinha para lá. Em 30 dias na banquinha, as pessoas que frequentavam o mercado já diziam: ah não, Toinha, você não pode ir embora, você tem que ficar”.


Toinha é conhecida pela simpatia e o sorriso sempre aberto (FOTO: Sérgio Vale)

Após o retorno da sogra, Toinha passou a procurar uma banquinha para trabalhar por conta própria e encontrou a de um rapaz, que estava fechada há bastante tempo. Ele cedeu o espaço e ela iniciou a jornada que lhe faria chegar onde nunca imaginou.

Prestes a completar 50 anos de casada com Aluizio Rodrigues, Toinha também contou com o apoio incondicional do esposo, que era carpinteiro e deixou a profissão para ajudá-la com as vendas no Mercado. “Eu disse: vamo trabalhar comigo? E ele aceitou. Ficou me ajudando”

No início era Toinha, sua irmã mais nova (Isoneres), sua filha Sara, que já tinha quase 10 anos e o marido trabalhando juntos. “Quando cheguei ao Mercado do Bosque, já tinha muita gente trabalhando. Muitos diziam que eu iria morrer de fome, porque dali não dava para ninguém viver. Mas eu acreditei nesse meu sonho e disse: vai dar certo sim. E deu”, diz Toinha, sempre sorridente.

O sucesso da baixaria

Logo quando começou a trabalhar, em meados de 1987, Toinha criou um prato que mudaria para sempre sua história: a baixaria. Tudo começou quando, um belo dia, seu esposo sugeriu acrescentar carne moída ao cuscuz. “Meu marido disse assim: Antônia, vamos fazer um cuscuz com carne? A gente só vendia cuscuz com ovo ou com leite. E aí ele comprou meio quilo de carne moída e começamos a oferecer para os clientes para ver se eles gostavam. E fez sucesso logo de cara”.


Inventora da baixaria, Toinha não imaginava que o prato seria um sucesso (FOTO: Sérgio Vale)

Todos que chegavam para comer no Mercado do Bosque queriam a tal da baixaria, que até então nem tinha esse nome. “Os clientes pediam: me dá um boi ralado, me dá um mexidão, era tanto nome diferente que eles falavam. Mas na cidade tinha um repórter à época, chamado Wilson Barros, que era muito meu amigo e nosso cliente. Um dia ele chegou para fazer reportagem sobre esse prato, que já estava muito famoso, e ele disse: Toinha, e o nome desse prato, me diz qual é? Eu respondi: eu inventei o prato, agora o nome… é difícil”, comentou aos risos.

Wilson sugeriu o nome “baixaria” devido à mistura de ingredientes fortes no prato. E assim ficou. “Quando comecei a vender baixaria, alguns vendedores das pensões que comercializavam almoço fizeram abaixo-assinado para me tirar de lá porque eu vendia carne de manhã. Mas eu expliquei que iria vender só cuscuz com carne e não venderia almoço”.

Daí em diante, todos passaram a amar baixaria e logo as demais banquinhas do Mercado do Bosque também tinham para vender. Mas no Café da Toinha era especial. “Não sei qual o motivo que os clientes só gostavam da minha baixaria. A gente procurava fazer uma carne bem gostosa. Logo no início, que éramos só nós vendendo, tinha dia de a gente vender 40 quilos de carne moída na baixaria. Era uma loucura. Eu vendia um fardo de milharina de 15 quilos só num domingo. O pessoal queria porque queira só a baixaria”, relembra Toinha, com saudosismo.

Apoio do filhos

Toinha teve uma vida muito difícil na infância e adolescência, vivendo em extrema pobreza. Quando decidiu vender comida no Café da Toinha, já tinha em mente que poderia contar com ajuda dos filhos para melhorar o rendimento financeiro da casa.

“Todos os meu filhos, desde pequenos, já começaram a trabalhar comigo. Nessa época, todo mundo me julgava porque eu colocava os filhos para trabalhar, mas eu disse: vão todos trabalhar, mas vão estudar também”.


Toinha e os filhos: Aluizio Júnior, Suelen e Sara Rodrigues (FOTO: Arquivo Pessoal/Cedida)

Sara, a mais velha, fazia bolos como ninguém. Aluizio Júnior, o mais novo, de início ficava em casa arrumando o lar, lavando a louça, limpando, e só depois passou a ajudar no café.

“Eles pegaram firmes comigo. Era eu, meu marido e eles. Se hoje estou onde estou, agradeço muito a Deus e aos meus filhos, porque eles nunca me deram trabalho, sempre estudaram, sempre passavam nas provas de primeira. De manhã trabalhavam comigo e à tarde iam para escola”.

“Vamos para o Café da Toinha?”

Depois de um tempo trabalhando, Toinha decidiu abrir a banquinha 1h da madrugada. Geralmente o Café da Toinha ficava aberto de 1h da manhã até meio-dia. Em dias mais movimentados, até 15h.

“As pessoas saíam das festas e não diziam: vamos para o Mercado do Bosque, mas sim: vamos para o Café da Toinha. O povo que pediu para que a gente abrisse na madrugada. Fora isso, também queríamos vender mais para melhorar a situação financeira em casa. Foi aí que passei a abrir de madrugada, foi mais por necessidade mesmo”, destaca.


Foto: Sérgio Vale

Em pouco tempo de trabalho, Toinha percebeu que o café seria promissor na vida de sua família. “Só tenho que agradecer muito a Deus e aos meus clientes. Esses clientes só queriam comer no Café da Toinha, então devo muito a eles. Se não fossem os clientes, não teria feito sucesso nenhum”.

A clientela cresceu e chegou um momento em que a banquinha dentro do Mercado do Bosque já não dava mais conta de tanta gente. Toinha contratou mais pessoas para ajudar aos finais de semana, quando era mais corrido.

Quando perguntada sobre o porquê de tanto destaque entre tantas banquinhas, até hoje Toinha não sabe muito bem o que responder. “Eu nunca disse para ninguém que o do vizinho era ruim. Lembro que se formavam três filas de espera, bastante tempo, uma fila sentada e duas em pé, só para comer nossa comida. E eu ficava sem entender o porquê daquilo tudo”.

Nova fase

O novo Café da Toinha, localizado em frente ao Mercado do Bosque, veio com a reforma do mercado, há quase 10 anos. “Como eu tinha muito balcão, uma estrutura maior, não tinha como ficar na tenda que o município montou para os permissionários. Esse prédio do novo café é de um amigo nosso e estava vazio quando ele disse: Toinha, se tu quiser eu te alugo. Eu aceitei e passei a trabalhar aqui”.

Antes disso, vários amigos e clientes já falavam também que Toinha precisava de um espaço maior, mais confortável para acomodar o grande público. “Muitas vezes a gente deixava de atender as pessoas por falta de espaço, pois já estava tudo lotado”.


Foto: Sérgio Vale

Mesmo com todo o sucesso com o passar dos anos, Toinha nunca se imaginou nesse lugar ou que sua simples banquinha viraria referência da culinária regional no Acre. Houve uma época em que muitos jornais e revistas de fora do estado vinham para entrevistá-la. “Eu ficava pensando: será que fiquei famosa?”, diz Toinha, caindo na gargalhada.

O Café da Toinha tomou tamanha proporção que muitos famosos já foram comer no Mercado do Bosque a baixaria e outros produtos do cardápio. “Era uma coisa impressionante. Guardo com muito carinho, até hoje, a visita da atriz Patrícia Pillar, que eu admiro muito e foi muito humilde e simpática com meus clientes”.

Frutos

Depois da baixaria, o que mais vende no Mercado do Bosque é o mingau de banana, mingau de farinha de tapioca, charuto, bolos, e os quibes. Segundo a dona, todos esses são recordes de vendas.

Criou, educou e formou seus três filhos com o suor do Café da Toinha. “Eu ralei. Mas meus filhos também suaram trabalhando. Suelen é formada em Letras e Fisioterapia, Aluizio Júnior é ortopedista e Sara pediatra neonatal. Sou rica de bençãos de Deus e por ter meu esposo, três filhos e cinco netos maravilhosos”.


Café da Toinha pode ser encontrado em dois endereços: dentro e fora do Mercado do Bosque (FOTO: Sérgio Vale)

Um dia disseram para o administrador do Mercado do Bosque que Toinha estaria “pegando” clientes dos colegas. Ela rebateu na época: “não é fazendo crítica do vizinho que você cresce, é dando o seu melhor, é fazendo as coisas com qualidade e procurando atender bem. O cliente, para mim, é muito valioso porque sem ele, eu não sou nada”.

Há pouco mais de dois anos, Toinha adotou uma rotina mais leve. Trabalha aos finais de semana no café e durante a semana fica na zona rural com o marido. “Muita gente pensa que até já morri porque não me vê direto aqui”, brinca.

Hoje, aos 68 anos, se sente uma pessoa realizada. “Eu não tive estudo, mas tenho meus filhos formados. Isso é tão gratificante que você não tem ideia. Antes do sucesso, a gente já era feliz. A gente era muito pobre, mas também era muito feliz”.

Toinha deixa um recado para as mães e mulheres que se inspiram na vida empreendedora. “nunca esmoreça. Tenha coragem de trabalhar, fazer com qualidade e nunca desistir do sonhos. Vim do interior, não tinha noção de comércio, de nada, fui criada no seringal e cheguei aqui e fiz tudo isso. Todo mundo é capaz, desde que tenha coragem”, finaliza.


Por ac24horas.com
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