Presidente estabelece forte vínculo com Samuel Ferreira, bispo que comanda maior número de fiéis e templos do país. Aproximação pode tirar boa parte dos "crentes" das garras do bolsonarismo

Presidente Lula com o bispo Samuel Ferreira, lider do Ministério Assembleia de Deus de Madureira.Créditos: Ricardo Stuckert/PR
Em um gesto que pode redefinir o mapa eleitoral de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu na quinta-feira (16), no Palácio do Planalto, o bispo Samuel Ferreira, uma das lideranças evangélicas mais influentes do Brasil. O encontro, marcado por orações, presentes simbólicos e diálogos sobre o futuro do país, sinaliza uma aproximação estratégica com a Assembleia de Deus Ministério de Madureira, o maior ramo da denominação evangélica mais numerosa do país. Presente na reunião, o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, evangélico e que já foi escolhido para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, embora ainda não oficialmente anunciado, reforça o aceno do governo a um eleitorado que representa cerca de 30% da população brasileira e tem sido nos últimos anos fiel ao bolsonarismo.
A visita de Ferreira, presidente executivo da Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil (CONAMAD) e líder da icônica Assembleia de Deus no Brás (SP), durou mais de duas horas e contou com a participação do deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), articulador do encontro, e da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT). Lula, em postagem nas redes sociais, descreveu o momento como "um encontro especial, de emoção e fé", destacando o "respeito pela Assembleia de Deus e o relevante trabalho espiritual e social promovido pela igreja". O bispo presenteou o presidente com uma Bíblia do Culto do Ministro e a edição de ouro do Centenário de Glória da instituição, seguida de uma oração pela proteção de Lula e pelo Brasil.
Segundo relatos de participantes do encontro, o diálogo transcendeu o protocolo: Ferreira relatou o crescimento acelerado da igreja e o acolhimento a fiéis em periferias, enquanto Lula reiterou compromissos com valores cristãos como "respeito, fraternidade, comunhão e apoio às famílias", pautas que ecoam as demandas evangélicas por políticas sociais e familiares. Cezinha classificou a agenda como "uma visita de cortesia", mas enfatizou que temas como o combate à pobreza e o diálogo inter-religioso foram centrais na reunião. A ausência do bispo primaz Manoel Ferreira, fundador do ministério e pai de Samuel, não diminuiu o simbolismo, afinal, aos 93 anos, Manoel é uma figura vitalícia na CONAMAD, mas já em natural declínio físico, o que fez com que o filho assumisse as rédeas operacionais da denominação há alguns anos.
Essa não é a primeira ponte entre o Planalto e o clã Ferreira. Em 2022, apesar do apoio inicial de Manoel e Samuel a Jair Bolsonaro (PL), Lula cultivou laços discretos com a denominação, incluindo visitas de aliados da igreja, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), à sede da instituição no Brás, na capital paulista. A guinada pragmática de Samuel, que apoiou Lula em 2006 e Dilma Rousseff (PT) em 2010, antes de migrar para o bolsonarismo, reflete uma estratégia de “neutralidade relativa”, priorizando a expansão e a influência em vez de buscar polarizações. "Nosso papel não é polarizar, mas trazer paz", disse Cezinha, parlamentar que funciona como uma espécie de porta-voz da denominação.
Samuel Ferreira: o bispo que comanda um império evangélico
Bispo Samuel Cássio Ferreira, 59 anos, é o rosto moderno e pragmático de uma dinastia que moldou o pentecostalismo brasileiro. Filho do bispo primaz Manoel Ferreira, ou seja, aquele que está acima de todos os bispos do mundo nessa igreja evangélica, Samuel assumiu a presidência executiva da CONAMAD em 2017, após uma carreira que inclui a liderança da Assembleia de Deus no Brás desde 2006. Formado em Direito e com estudos em Psicologia, ele modernizou a igreja, relativizando "usos e costumes" tradicionais, como proibições a TV, maquiagem ou música secular, para atrair jovens urbanos e classes médias emergentes.
Sob sua gestão, o Ministério de Madureira expandiu-se para além das fronteiras nacionais. Há filiais na Argentina, Bolívia, em países da África e até na Europa, incluindo ainda uma sede mundial de 80 mil m² na Flórida, nos EUA, inaugurada em agosto de 2025, anunciada pelo próprio bispo Samuel como um "marco na irradiação da fé". No Brasil, ele preside a Convenção Estadual de São Paulo (CONEMAD-SP), a Junta Conciliadora do estado e a Editora Betel, controlando uma rede de mídia e publicações doutrinárias. Sua influência se estende à política: ele articulou eleições de quase uma dezena de deputados e senadores ligados à igreja em 2022, prometendo investimentos pesados para 2026.
Mas o poder de Samuel vai além de cargos: ele representa uma máquina eleitoral capilar, com decisões soberanas em finanças, doutrina e filiações locais. No curso do tempo, manteve laços com Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas sua recente guinada para Lula, incluindo orações públicas pelo presidente, sinaliza um realinhamento pragmático, priorizando governabilidade sobre ideologia.
Assembleia de Deus Madureira: a potência que eclipsa rivais
O Ministério de Madureira, fundado em 1950 no Rio de Janeiro pelo pastor Paulo Leivas Macalão e assumido por Manoel Ferreira em 1963, é o maior braço da Assembleia de Deus, denominação com 12,3 milhões de fiéis no Censo IBGE de 2010, projetados para cerca de 22-25 milhões em 2025, segundo estimativas do órgão estatístico federal.
Com essa potência e membros e milhares de templos, o ministério de Madureira congrega 34 mil pastores e 200 mil obreiros, superando em escala a Igreja Universal do Reino de Deus (1,8-2 milhões de fiéis e 6 mil templos) e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo de Silas Malafaia (cerca de 200 mil fiéis e 150 templos).
Enquanto a Universal, sob Edir Macedo, foca em teologia da prosperidade e mídia, e Malafaia domina o debate conservador com 4-6 milhões de seguidores digitais e atos como a Marcha para Jesus (185 mil participantes em 2024 na Paulista), a AD de Madureira, de Samuel, exerce poder "silencioso" via rede territorial: 25 mil templos no Brasil, expansão global e influência no Congresso.
Essa superioridade numérica e capilar torna o Madureira uma "espinha dorsal" do pentecostalismo, contrastando com a fragmentação de Malafaia (ramo menor da AD) e a centralização da Universal (bolsonarista ferrenha). Em 2025, enquanto Malafaia critica Lula falando em “ditadura”, Samuel opta por diálogo, abrindo portas para o PT reconquistar fiéis em periferias onde a AD predomina nacionalmente.
Indicação de Messias ao STF: um trunfo evangélico no Judiciário
O encontro no Planalto não foi mero protocolo: ele pavimentou o caminho para a indicação de Jorge Messias ao STF, após a aposentadoria de Luís Roberto Barroso, que se oficializará em 18 de outubro. Evangélico da Igreja Batista, Messias, que foi nomeado AGU por Lula em 2023, participou da oração. Sua trajetória inclui a defesa de Lula na famigerada Lava Jato (na qual acabou apelidado de "Bessias", por conta de um vazamentos de áudio), além de ser o representante do governo na Marcha para Jesus desde 2023.
Fonte: https://revistaforum.com.br