Os EUA, suas grandes Big Techs e suas indústrias de defesa, estão muito preocupados com a possibilidade de serem estrangulados pela China

Lula e Trump se encontram em Kuala Lumpur, Malásia - 26/10/2025 (Foto: Reuters)
Sabe aquele earphone que você usa com seu celular? Pois é, ele não funcionaria sem um material crítico proveniente de terras raras, o neodímio, que é supermagnético. Sem ele, é impossível construir um alto-falante tão pequeno.
Sabe aquele avião que te leva em viagens nacionais e internacionais? Pois é, ele não funcionaria sem o ítrio, que entra em um composto que recobre as pás das turbinas, evitando que elas se deformem com o calor intenso. Sem ítrio, sem voos.
Esses são apenas dois pequenos exemplos dos múltiplos e crescentes usos desses minerais críticos, principalmente nas indústrias de ponta.
Na indústria de defesa, eles são vitais. Elementos como o samário, európio e térbio são essenciais na produção de sistemas de radar, sistemas de orientação de mísseis, óculos de visão noturna e equipamentos avançados de comunicação.
Por exemplo, ímãs permanentes à base de neodímio são usados em sistemas de mísseis guiados de precisão, enquanto fósforos à base de ítrio melhoram o desempenho da tecnologia de visão noturna.
Pois bem, a China minera 70% das terras raras e processa 90% da produção mundial desses materiais críticos estratégicos. Pudera, além de terem as maiores jazidas do mundo, investiram muito na pesquisa das terras raras.
Os chineses dominam esse mercado. Seus preços são imbatíveis. Cerca de 5 vezes mais baratos que a produção de outros países.
Os EUA, suas grandes Big Techs, suas indústrias de defesa etc. estão muito preocupados com a possibilidade de serem estrangulados pela China, que, em resposta aos embargos comerciais de Trump, resolveu controlar a oferta desses materiais.
Em desespero, os EUA acabaram de firmar um acordo com a Austrália, que tem jazidas aproximadas de 5,7 milhões de toneladas de terras raras para encontrar formas de diminuir sua dependência, em relação à China.
Pois bem, o Brasil está bem-posicionado para entrar nessa disputa.
Segundo o US Geological Survey, o Brasil teria as segundas maiores jazidas de terras raras do mundo, pelo que se sabe até agora (vide gráfico abaixo).

Claro está que o Brasil não quer exportar matéria-prima, nesse campo vital para a construção da economia do futuro. Por isso, está preparando uma política específica para o setor, que atraia investimentos para processar as terras raras, exportar componentes críticos de alto valor agregado e abastecer o mercado interno.
O Brasil, porém, poderá construir parcerias nessa área, em um contexto de respeito à nossa soberania econômica e tecnológica. Obviamente, isso demandará esforço e tempo.
Não obstante, o Brasil tem uma vantagem que poucos avaliam, nessa disputa mundial: abundância de energia limpa.
É que o processamento de terras raras exige temperaturas muito altas, além de reações químicas complexas e agressivas. Assim, o processamento de terras raras tem uma forte “pegada de carbono”. O Brasil, contudo, pode diminuir essa “pegada”, o que seria uma vantagem comparativa interessante.
Essa mesma característica da matriz energética do Brasil poderia ser útil para outro interesse estratégico dos EUA: a hospedagens de data centers de Big Techs.
Esses data centers são enormes sorvedouros de energia. Calcula-se que tais data centers consumirão, já em 2026, mais energia que todo o Japão, país de mais de 100 milhões de habitantes e fortemente industrializado.
Os EUA estão com dificuldades para suprir essa demanda em forte aumento, que vem sendo exacerbada pelo uso crescente da mal chamada “inteligência artificial”, a qual, como bem afirma nosso grande neurocientista Miguel Nicolelis, não é nem inteligência nem artificial. Opinião compartilhada pelo grande Prêmio Nobel de Física Roger Penrose, o qual adverte, com base no Teorema da Incompletude de Gödel, que há muitas coisas que não são passíveis de computação. Só são “decidíveis” pela inteligência humana, a única que existe.
Há também um outro fator sobre a energia brasileira que deve ser levado em consideração.
É que o Brasil está produzindo, acredite-se ou não, energia em excesso. Tal excesso está sobrecarregando o sistema, especialmente nos horários de menor consumo de energia (pela manhã) e nos fins de semana.
Isso poderá causar, inclusive, apagões, pois o sistema precisaria ser desligado se a sobrecarga for muito grande.
Segundo sites especializados em energia, como o Neofeed, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está ampliando o chamado curtailment (corte de geração) até o limite, como medida de segurança nas chamadas usinas centralizadas - as grandes usinas solares e eólicas, além de hidrelétricas e térmicas.
A intervenção nas usinas maiores, no entanto, pode não ser suficiente, pois uma grande parte da energia renovável é injetada na rede por parte de painéis em telhados e pequenas fazendas de GD - modalidade que não é controlável diretamente pelo NOS.
Em agosto, os cortes ao longo do mês representaram 7% do consumo nacional. Em setembro, subiram para o equivalente a 8,8% da carga total do sistema. Para se ter uma ideia, a energia renovável cortada (6.792 MWm) foi 63% superior a toda a energia gerada no mês pela parte brasileira da Usina de Itaipu (4.172 MWm).
Além do fator da energia, há, da mesma forma, o fator da água.
Esses data centers consumem muita água doce, uma vez que precisam ser constantemente esfriados. Calcula-se que apenas uma pergunta para a inteligência artificial gere um consumo de 4 litros de água.
Ora, o Brasil possui cerca de 14% de toda água doce do mundo. Outro fator que nos diferencia e nos proporciona vantagens comparativas, em várias áreas.
Portanto, o Brasil poderia hospedar data centers, desde que as empresas que aqui se instalem respeitem as leis brasileiras, paguem os tributos necessários e estejam dispostas a cooperar em ciência e tecnologia.
O Brasil, por óbvio, precisa criar e produzir seus próprios sistemas de tecnologia de comunicação e informação. Uma questão premente de soberania, o que não impede parcerias internacionais feitas com os cuidados imprescindíveis.
Tudo isso, com as cautelas necessárias, repito, poderia facilitar as atuais negociações bilaterais entre o Brasil e os EUA. Poderia ajudar a concretizar a “química”.
O Brasil de Lula, entretanto, jamais colocará na mesa sua soberania e sua democracia, como quer a nossa direita vassala e mentalmente colonizada. Jamais fará o jogo nefasto da geopolítica da nova Guerra Fria. Jamais escolherá entre a China e os EUA, como quer o neocon Rubio, que parece querer incendiar a América Latina e transformar a nossa região numa espécie de novo Oriente Médio, instável e conflitivo.
O Brasil escolhe o Brasil.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
Fonte: brasil247.com